terça-feira, 14 de maio de 2013

Dicas do Mestre: Devaneios sobre NP em Mutantes e Malfeitores



Divagações sobre NP em Mutantes e Malfeitores
- ou, regras e adaptações frente a frente -

Essa questão já esteve em minha mente por momentos diferentes desde que comecei a usar o sistema Mutantes e Malfeitores. Nunca neguei que uma das coisas que mais me agradam no RPG, além de jogá-lo, é claro, é fazer adaptações de personagens de variadas origens. Aliando isso ao meu fanatismo pelos quadrinhos de super-heróis, desde o início dos anos oitenta, pode-se dizer que houve uma sinergia perfeita.

Mas uma coisa sempre me incomodou e acho que este incômodo é compartilhado por muitos rpgístas – até que ponto a adaptação pode recriar a realidade do personagem que estamos adaptando? E o que me levou a compartilhar isso com vocês foi um comentário feito por um integrante de uma das tantas fanpages das quais participo no Facebook sobre RPG em uma de minhas postagens de adaptações de personagens da Marvel.

Ele questionava que os níveis de Força do personagem Hércules, um dos tantos membros dos Vingadores, estava longe da realidade e que isso seria culpa das restrições existente nas regras de NP (Nível de Poder) do sistema Mutantes e Malfeitores, o qual usei para a adaptação do personagem.

Bom, vou dividir isso em duas partes então.


A importância das regras
Como todo rpgísta sabe é impossível de se ‘fazer’ RPG sem regras. A mecânica de funcionamento de qualquer sistema, por mais simples ou simplista que seja, precisa de um mínimo de normas ou mesmo um acordo entre jogadores e mestre para funcionar. Não importa se old school, narrativo, em tabuleiro ou qualquer outro, um entendimento do que se pode ou não fazer ou até onde se pode ir é imperativo.

Como M&M não é diferente. Ainda mais para um sistema cuja função é trazer o prazer de se jogar com seres poderosos alguns limites (ou acordos) são fundamentais. Vamos entender isso sob uma visão do M&M.

“Com grandes poderes vem grandes responsabilidades”. A frase de Peter Parker dita em várias de suas aventuras traz o cerne do debate para M&M. Quem conhece um pouco de quadrinhos, e vou centralizar aqui meus comentários nos personagens da Marvel, sabe que existe um universo incrivelmente díspar entre seus personagens. No que diz respeito à capacidade de influenciar o mundo que os rodeia temos desde personagens muito perto dos humanos no que diz respeito à poder e mortalidade, como Gatuno, Jubileu, Charles Xavier e mesmo Jonhnny “Tocha Humana” Storm, que uma simples bala perdida pode lhes tirar a vida (quem não lembra que o Tocha quase morreu na saga Guerra Civil por causa de uma garrafada na cabeça?) até seres como Thor, Thanos, Fenix, Galactus, Sentinela ou mesmo Hércules com capacidade para devastar mundos inteiros.

Qualquer adaptação desses personagens ‘mais normais’ pode ser realizada sem nenhum grande problema dentro das regras. Mas e os outros? Claro que alguém pode me dizer que é só não jogarmos com esses personagens ‘tão’ poderosos que não passaremos por este dilema. Mas então isso acaba por nos limitar de outra forma – nossas escolhas.

Mas isso, os limites das regras, é ruim?

O sistema M&M limita a construção de personagens através de uma série de itens centralizados no Nível de Poder (NP) da aventura. O que seria isso? Cada aventura pressupõe que seus personagens enfrentarão desafios, digamos que suportáveis e transponíveis, que são classificados como NP. A NP regras que a aventura não será nem tão fácil que perca a graça e nem tão impossível que também perca a graça. O cerne central é – a aventura deve ser ‘jogável’.

Neste sentido o NP é incrivelmente interessante, embora não totalmente necessário, na minha opinião. Ele é a segurança de que a aventura de final de semana dos jogadores não termine em uma morte rápida no primeiro combate.

O NP facilita na criação da aventura, na criação do personagem e na condução das seções de jogo. Nas palavras do próprio Livro Básico de M&M temos que “Nível de Poder é uma medida geral de eficiência e poder, principalmente habilidade de combate, mas também o tipo de tarefas em geral que um personagem pode cumprir regularmente (...) O nível de poder é um valor determinado pelo mestre para a campanha. Ele limita a maneira como os jogadores podem gastar pontos ao criar heróis” (página 24). Ou seja, um limitante para que ninguém seja um Thor em uma aventura para caçar um batedor de carteiras.

O NP, visto assim, é muito importante para, como disse, não tirar a graça das aventuras tornando-as muito fáceis ou impossíveis. Quando vamos criar um personagem e o mestre nos informa o NP mínimo e máximo para a criação dele, já temos uma ideia do que esperar e de que não vamos ser surpreendidos com um fim prematura (à não ser que os dados estejam contra nós heheheh!).

Outra coisa que precisamos pensar é que o sistema M&M, embora criado para emular jogos de super-heróis em uma mesa de RPG, não foi criado pensando na adaptação de personagens desta ou daquela editora, e sim os seus personagens. Então a lógica é que seus criadores se preocupem muito mais com o equilíbrio para diversão de todos, mestres e jogadores, do que com detalhes para adaptações

Ainda dentro deste ponto eu tenho uma teoria particular. Para mim o sistema, com NP, funciona muito bem, até certo ponto, para adaptações de ‘Heróis’, mais do que com vilões, do universo Marvel. Explico. Principalmente no que diz respeito à Força e Combate a minha teoria pode ser centralizada em uma noção – os heróis são comedidos. Um herói como Thor, Colossus, Wolverine ou mesmo Hércules, não são chamados de ‘herói’ por acaso, mas por sua conduta e princípios. Já vimos esses heróis em combates dos mais diversos tipos e mais de uma vez tivemos a certeza de que eles não matavam seus adversários por acaso. Na verdade o acaso não tem nada a ver com isso. Era sua conduta falando mais alto.

Um personagem como Hulk, Thor ou Hércules poderiam facilmente beirar sua Força em torno de 50 ou 70. Quem não lembra da incrível série da Marvel Secret Wars, lançada nos anos oitenta onde uma montanha (sim, montanha) é lançada sobre o grupo heróis que não esmagados graças à força de Thor, Coisa, Home de Ferro e Hulk. Vocês até podem me questionar por serem quatro dos personagens mais fortes, mas terão de concordar que mesmo assim foi uma ação quase impossível para níveis de Força menores que 60 ou 70 para cada um deles. Mas mesmo assim eles não arrancam a cabeça de seus adversários como a Gangue da Demolição, por exemplo. Sabemos que se sua força fosse realmente equivalente nada os impediria.



Isso considero que fica demonstrado no jogo pelo limitante da Força pelo NP, por exemplo. É como dizer que em condições normais um herói, mesmo que super-forte, não usaria sua máxima capacidade a não ser que fosse extremamente vital. O contra-ponto desta sua incrível força seria demonstrado pela capacidade de carga do personagem determinada, normalmente, pelo poder Super-força. Vamos combinar que mesmo assim ficamos longe da realidade. Mesmo com todos os subterfúgios das regras e feitos de poder, não conseguimos chegar à ação de, em um caso extremo, usar toda a capacidade de Força (nosso exemplo aqui) em combate. Mas isso é apenas um devaneio!

Então o limitante tem sua função específica.


Mas por que não...
Ao mesmo tempo as limitações impostas pelo NP nos levam para longe da emoção dos quadrinhos, algo que tenho certeza que impera no gosto da maioria dos jogadores deste sistema, quando desejamos adaptar os clássicos personagens. Mas minha questão aqui é, ‘mas por que não fazemos diferente?”


Com certeza quando tivemos a saga Inferno, ainda nos anos oitenta, ao regra do NP, se fossemos adaptá-la, estaria perdido. Ou a saga Massacre? E o que dizer desta novíssima saga Age of Ultron, sensacional saga ainda inédita por aqui? Todas elas trazem NPs loucos entre seus participantes. E mais do que isso, muitos protagonistas que agem de forma crucial nas sagas nem sempre são os mais poderosos ou de NP maior.

A emoção em si nos quadrinhos não está no equilíbrio. Longe disso. Está na superação. Em Age of Ultron, por exemplo, dos poucos heróis sobreviventes no mundo, alguns deles nem são os mais poderosos. E mesmo assim, a alternativa para tentarem superar o desfecho terrível do mundo vem dos heróis de um NP médio (para os padrões gerais da Marvel, é claro, já que não podemos chamar Wolverine e Sue Richard de médios!).

Mas o que pretendo aqui, agora? Embora o NP ajude para o transcorrer das aventuras e campanhas sem desfechos extremos para os personagens, a emoção está no extremo e muitas vezes morrer em um clímax vale mais que semanas de jogo. Para mim, pelo menos.

Desde que começamos no RPG já cansamos de escutar que as regras dos sistemas de RPG são necessárias, mas não deixam de ser livres para serem alteradas, desde que o foco seja a diversão do grupo. Quando decidimos dar ênfase para a adaptação em detrimento dos limitantes do sistema estamos justamente procurando isso – pura diversão. Com um grupo esclarecido das opções e escolhas podemos sim burlar os limites. E posso confessar que os melhores jogos que mestrei ou joguei foram com essas pequenas alterações.

Criar campanhas dispares no que diz respeito ao NP dos PCs e NPCs é uma ótima alternativa para grandes momentos. Isso obriga os jogadores à procurar alternativas ao simples uso de poderes, indo além da ação e procurando opções na interpretação. Imagine ser o Homem-Aranha numa aventura contra Thanos e sua Manopla do Infinito. A força ou combate não iria resolver muito, mas o personagem possui muitas possibilidades longe dos seus poderes que poderiam ajudar muito e criar mudanças na ação daquele momento. Em resumo... pura diversão!

Mas este é apenas um dos pontos desta segunda parte. O outro ponto é centrado apenas nas adaptações. Puras adaptações são exercícios de criatividade nem sempre centrados nos limitantes das regras. São a procura de um equilíbrio entre a realidade dos personagens com as possibilidades que as ferramentas do sistema nos disponibilizam. Por isso mesmo o NP não importa já que nem sempre, poucas vezes é verdade, existe uma lógica rpgística nos personagens da Marvel, por exemplo.

O grau de diversão de irmos moldando as regras e opções dadas pelo sistema, até chegarmos ao nosso herói, é incalculável. Já adaptei um sem número de personagens e no próprio fórum da Green Ronin alguns membros possuem perto de mil adaptações, dentro e fora dos limitantes. Foram horas e horas de diversão, com certeza.



Concluindo ...
A intenção aqui era simplesmente levantar o debate de que as regras e os limitantes têm sua importância dentro de uma lógica de criação do sistema. Mas que isso não pode impedir a sempre importante diversão e o prazer de se viver o RPG em sua plenitude – jogando, criando, adaptando e tudo o mais que os jogadores desejarem.

Crie... Adapte... Se divirta...

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